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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Uma casa muito engraçada

Vinícius de Moraes surgiu na minha vida, que eu me lembre, com os versos de O Pato, poema que, transformado em canção, foi uma das primeiras que aprendi a cantar.
A Casa, outra obra-prima do Poetinha para crianças, também fez parte da minha infância. Contudo, foi em outro momento da minha vida que seus versos e sua melodia deixaram sua marca.
Quando meu irmão, nove anos mais novo que eu, era bem pequenino, eu gostava de cantar para ele dormir, e um dia percebi que A Casa era uma das canções que o deixava mais calmo. Dessa forma, todos os dias eu parava ao lado do seu berço e cantava, com diferentes ritmos e entonações, e ele adorava.
Cresci e fui descobrindo mais da obra do maravilhoso poeta. Mas, dizem que as únicas ideias e impressões que carregamos para a vida inteira são aquelas adquiridas na infância. Sendo assim, é normal que eu me pegue, repentinamente, lembrando-me dos poemas musicados que até hoje encantam crianças e adultos.
A Casa é, talvez, a mais lembrada por todos. Recentemente, alguém na minha turma de russo até fez uma paródia com sua letra. Estudávamos em uma sala de condições estruturais precárias, no fim do corredor ímpar do último andar do Bloco H, na Faculdade de Letras da UFRJ (sugiro que Camila leia esse post, ela conhece bem o local citado). A sala estava sem o revestimento do teto, sem o vidro da porta e sem maçaneta (a falta do vidro nos obrigava a suportar a turma de inglês de uma das salas vizinhas ouvindo repetidas vezes a canção Knockin’ on heaven’s door interpretada por Avril Lavigne). Além disso, estava com várias cadeiras (que deveriam ser fixas) faltando, vidros faltando na janela, enfim, faltava tudo! Foi então que um dos colegas resolveu mostrar seu lado criativo e cantou:

Era uma sala
Tão desgraçada
Não tinha teto
Não tinha nada

Mais uma vez, então, a canção voltou à minha mente e eu fiquei com vontade de ouvi-la. Gosto das animações que fazem no Youtube e fui assistir a uma delas. Enquanto ouvia a gravação do grupo Boca Livre, lia os comentários do público.
Quem lê notícias e assiste a vídeos pela internet sabe que é possível esquecer todas as amarguras da vida ao ler comentários, devido às inimagináveis doses de bizarrice que eles podem conter, capazes de nos deixar rindo até muito tempo depois. Nos comentários para o vídeo da tal “casa muito engraçada” não é diferente, tanto que me senti na obrigação de compartilhar com vocês um dos melhores momentos da minha semana, que mal começou, mas que já sei que foi com o pé direito.
Bem, para começar, algum maníaco-conspiracionista (esse termo existe, Camila?) disse que o poema (que virou letra) fala sobre as casas populares construídas durante o regime militar. Logo, A Casa não é uma linda canção infantil, mas sim uma forte crítica à ditadura. Tudo bem, músicas infantis são compostas por adultos e sempre carregam mensagens que vão além de jogos de palavras engraçadinhos; além disso, há que se admitir que a produção cultural da época é marcada pelo engajamento político, mas, de verdade, acho que essa idéia não tem nada a ver.
Depois, outra usuária, talvez pensando que sua veia poética estivesse mais aflorada que a do próprio Poetinha, relata a brilhante interpretação de sua filha para a letra, feita quando a jovem possuía, então, sete anos: a casa é o útero da mãe, que não tem teto, nem parede, nem chão, nem lugar para fazer pipi; a rua dos bobos é a referência ao excesso de zelo e de mimos que as pessoas dedicam às grávidas; e o número zero, tão redondinho na sua insignificância, é a forma da barriga da mãe! Brilhante!
Confesso que até achei interessante a interpretação da criança, embora não interprete os versos da mesma forma. O problema é que depois começaram a surgir comentários de um bando de desavisados afirmando que era isso mesmo, que esse era o verdadeiro significado da letra.
A linguagem poética permite diversas leituras e interpretações, nas quais o leitor pode imaginar o que quiser. A pedra no meio do caminho de Drummond, que para os outros carregava milhares de significados filosóficos, para ele era apenas uma pedra entre as muitas da região de Itabira, MG. As viagens nos comentários sobre A Casa, dessa forma, nem me surpreenderam tanto.
Houve quem afirmasse que Vinícius escreveu o poema em homenagem à casa do artista plástico uruguaio Carlos Villaró, até disseram que os últimos versos, inicialmente, seriam assim:

Mas era feita de pororó
Era a casa do Villaró

Ainda vou pesquisar mais sobre isso, afinal, essa “casa do Villaró” devia ser mesmo muito interessante...
Porém, a melhor de todas as interpretações contidas nos comentários, aquela que, apesar de desconsiderar, creio que intencionalmente, a distância temporal entre a produção dos versos e o momento atual, diz o seguinte:

“Casa sem teto, sem chão, sem parede, sem penico? Na Rua dos Bobos, número zero? Deve ser propaganda do ‘Minha Casa, Minha Vida’!”

Apesar de a constatação ser terrivelmente grave, o que fica é que, independentemente da interpretação que se dê, a casa que o Poetinha idealizou (ou reproduziu em verso ao ver a do amigo) continua a ser, para qualquer geração, muito, mas muito engraçada!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O armário da suposta fé

Bom dia a todos!
Junho começa e eu, logo no primeiro dia, já tive inspiração para escrever esse post. Não pretendo, com ele, criar nenhuma polêmica, embora o assunto seja um tanto espinhoso.
Existem pessoas incapazes de admitir para si mesmas o que sentem, sobretudo quando se tratam de sentimentos ditos “ruins”. Normalmente, isso acontece porque, ao longo da vida, elas se deixaram guiar por chamados princípios religiosos aos quais, conscientemente, dizem obedecer. Querem mostrar para todos que são boas pessoas, trabalhadores exemplares, pais e mães de família, bons filhos, bons pagadores e acham que isso basta, que com isso seu lugar no céu está garantido. Acreditam que, se possuírem maus sentimentos, serão castigados por Deus ou por qualquer outra força maior em que acreditem e, obviamente, temem esse castigo.
Acontece que ninguém é perfeito. Tenha a pessoa recebido formação religiosa ou não, independentemente de se comportar como aquilo a que socialmente convém chamar de uma “pessoa de bem”, os chamados maus sentimentos existem e estão dentro de todos nós.  
O que se vê, então, são pessoas infelizes, frustradas, quase se matando de inveja de quem nem  tem tanto mais assim do que elas. Começam a fazer pré-julgamentos, juízos de valor. Dizem que o outro é metido, esnobe, arrogante; posam de simples e humildes, mas, na verdade, adorariam estar no lugar do outro.
Essas pessoas são dignas de pena, pois o tempo que perdem lançando maus olhares sobre as conquistas e, por vezes, as habilidades alheias, seria muito melhor aproveitado se fosse dedicado à contemplação das próprias conquistas, aos esforços para aumentar as mesmas e ao aprimoramento das próprias habilidades. Contudo, elas são incapazes de perceber isso porque, como são “pessoas de bem”, enganam-se dizendo que não possuem inveja.
Com isso, em nome de ideias que lhes foram transmitidas como dogmas, escritas sabe-se lá quando, por sabe-se lá quem, as pessoas não admitem para si mesmas que aquilo que lhes incomoda nos outros é o que elas queriam ter para elas. Recorrem aos seres superiores em que acreditam para destruir a felicidade dos outros e acham que fazem isso em nome de um bem maior, o delas, é claro. Esquecem-se que o telhado de suas casas é feito do mesmo vidro que o dos outros, e que a pedra que lançam para punir os “errados” um dia pode ser jogada com melhor pontaria, quebrar o telhado num ponto qualquer e atingir de forma certeira e mortal a cabeça de um “certinho” qualquer dentro do seu suposto lar bem construído de pessoa honesta (mas, certamente, menos confortável que o do outro).
Seria muito melhor se essas pessoas admitissem para si mesmas o que as incomoda. Não gostar de algo ou alguém é normal e, desde que a boa convivência seja priorizada, não há mal nenhum nisso. Agora, colocar nos outros a culpa pelas suas frustrações e, pior ainda, não admitir isso, é, sim, muito grave. Por que não sair do armário da suposta fé que lhes ensinaram a professar e, em caso de desejar ter o que o outro tem, arregaçar as mangas para conseguir pelos próprios méritos, em vez de desejar e conspirar para que o outro perca aquilo que, com certeza, não veio para ele de graça?